sexta-feira, 24 de junho de 2011

Figuras de Almada (1): Manuel da Maya, Engenheiro-mor e Guarda-mor da Torre do Tombo



 [Figura: Manuel da Maya]

É reconhecida nacionalmente a importância da figura de Manuel da Maya (1677-12.9.1768), Engenheiro Militar, Arquitecto e Guarda Mór da Torre do Tombo ao tempo da Grande Terramoto de 1755, sendo conhecida a sua intervenção na obra do Aqueduto das Águas Livres em Lisboa (1729-1748) e como um dos responsáveis pelo planeamento da chamada “Baixa Pombalina” (junto com outros importantes engenheiros-arquitectos como Carlos Mardel, Eugénio dos Santos, Elias Sebastião Poppe, e João Pedro Ludovici), além do relevo da sua intervenção na salvaguarda dos tesouros do Real Archivo da Torre do Tombo na altura do Terramoto, acção a que muito deve a historiografia portuguesa, e sem a qual esta seria seguramente bastante mais pobre!

Pelas ligações familiares e profissionais de Manuel da Maya a Almada decidi transcrever aqui uma parte de uma obra dedicada à sua biografia, Manuel da Maya e os engenheiros militares portugueses, 1910, de Cristóvão Ayres, em que se realça as referidas ligações a Almada.

Além dos aspectos mencionadas na referida obra, e que destaco à frente, há ainda dois aspectos da biografia de Manuel da Maya que, de forma indirecta tiveram também impacto na história e historiografia de Almada, os quais merecem seguramente alguma reflexão:

1 – A sua intervenção na salvaguarda de uma parte significativa do espólio da Torre do Tombo a quando do Grande Terramoto de 1755, a qual permitiu que chegassem até aos nossos dias, importantes documentos para o conhecimento e compreensão da História de Portugal, quer a nível nacional, quer regional, alguns dos quais certamente tiveram impacto no que conhecemos sobre a História de Almada;

2 – A sua participação na condução das obras do Aqueduto das Águas Livres, já que a conclusão desta importante obra de abastecimento da capital, veio de certo modo aliviar, sobretudo em tempos de seca, a procura na margem sul de fontes de abastecimento de água a Lisboa, em especial nas Fontes Santas, e também na Fonte da Pipa, ambas no concelho de Almada.

Os aspectos da biografia de Manuel da Maya que se ligam directamente a Almada são dois:
1 – A ligação familiar, por via dos pais, Francisco da Maya e de sua segunda mulher Paula de Almeyda, que residiram em Almada, como refere Maya no seu testamento feito em 1764;
«Declaro que sou natural d'esta cidade de Lisboa, baptisado na freguesia de Sam Julião em cinco de Agosto de mil seis centos settenta e sette (1677), sendo meu Padrinho o muito Reverendo Padre Pedro de Vargas capellão da Capella Real do Senhor Rey Dom Pedro o segundo, filho legitimo de Francisco da Maya e de sua segunda mulher Paula de Almeyda, recebidos [casados] na freguezia de Santiago da Villa de Almada, de donde passarão para a freguesia de São Julião desta corte, onde viverão até o fim de sua vida e forão enterrados no convento de São Francisco da mesma Corte, em cuja Religião erão terceiros».

2 – A ligação profissional, por ter, a partir de 1701, trabalhado na supervisão e desenho de obras de fortificação desta banda, mandadas efectuar no reinado de D. Pedro II, e que seguindo o que nos diz Raul Pereira de Sousa (in Fortalezas de Almada e seu Termo, 1981, p. 56) podem corresponder às seguintes:
- Forte da Foz (Vigia – Trafaria);
- Forte da Fonte da Pipa (Arealva – Olho de Boi);
- e reedificação do Forte de Santa Luzia (Cacilhas).


Forte da Fonte da Pipa (Arealva) (in Fortalezas de Almada e seu Termo, 1981, p. 56)

Aliás a sua participação nestas obras é referida numa Carta régia de 1758:
«Faço saber aos que esta minha carta de Padrão virem que tendo respeito aos serviços de Manoel da Maya filho de Francisco da Maya natural desta cidade feitos pello espaço de vinte e hum annos quatro mezes e hum dia nos postos de Apontador das fortificaçoens, Ajudante de Ingeneiro, Capp.^{am}, Sargento Mayor, e no de coronel de Infantaria com o mesmo exercicio de Ingineiro desde vinte e sete de Mayo de seiscentos noventa e oito (1698) até vinte e sete de Mayo deste anno de mil setecentos e dezanove (1719); no de mil setecentos e hum (1701) assistir ás obras da marinha e das batarias da banda de Alem, tomando as alturas e examinando os materiaes e fazer os riscos das plantas das ditas obras com muito acerto e ajudando em todas ellas ao Lente das fortificações, Francisco Pimentel»

E confirmada numa petição de 1738 transcrita no Diccionario historico e documental dos architectos, Vol. II (1904) / Sousa Viterbo, pp. 127:
«Senhor — Diz Manoel da Maya que elle serve a V. Mag.e ha quarenta annos no exercício de engenheiro continuados de 26 de Mayo de 1698, the o corrente mez de Mayo de 1738, conseguindo nos primeiros vinte annos occupar o posto de coronel, como consta de sua patente passada em 11 de novembro de 1718 na qual se relata que occupou o posto  de ajudante e capitão com o exercício de engenheiro servindo juntamente de apontador das fortificações da Corte, e sua marinha, quando se fortificou do anno de 1701 e subsequentes (…)»

Das fortificações da margem sul, edificadas ou reedificadas no reinado de D. Pedro II, só o Forte da Trafaria, não terá tido intervenção de Manuel da Maya, pois foi edificado em 1683.

Para mais elementos biográficos sobre Manuel da Maya, ver também o Diccionario historico e documental dos architectos, Vol. II (1904) / Sousa Viterbo, pp. 124-131, in:

ANEXO DOCUMENTAL
Excerto de: Manuel da Maya e os engenheiros militares portugueses (1910) / Cristóvão Ayres (Fonte: http://purl.pt/848/3/)

 [p. 53]
Á amabilidade do digno par do reino Sr. Francisco Simões Margiochi devemos o ter conhecimento de uma preciosa collecção de manuscritos referentes a Manuel da Maya, reunidos por seu pae, uns da letra do grande engenheiro, outros, documentos officiaes a seu respeito, d'onde tiraremos desde já algumas informações, guardando a publicação d'esses documentos para outro logar, principalmente para quando noutro logar nos occuparmos da biographia do reedificador de Lisboa.
No seu testamento datado de 27 de Junho de 1764 diz Manuel da Maya:—«Declaro que sou natural d'esta cidade de Lisboa, baptisado na freguesia de Sam Julião em cinco de Agosto de mil seis centos settenta e sette (1677), sendo meu Padrinho o muito Reverendo Padre Pedro de Vargas capellão da Capella Real do Senhor Rey Dom Pedro o segundo, filho legitimo de Francisco da Maya e de sua segunda mulher Paula de Almeyda, recebidos na freguezia de Santiago da Villa de Almada, de donde passarão para a freguesia de São Julião desta corte, onde viverão até o fim de sua vida e forão enterrados no convento de São Francisco da mesma Corte, em cuja Religião erão terceiros. Não fui casado e não tenho herdeiro algum forçado ascendente ou descendente, e se houver alguem que proue lhe sou deuedor de alguma couza ordeno seja attendido como fôr justo. Nomeyo por meus testamenteiros em prim.^o lugar ao Reverendo Beneficiado da Santa Igreja Patriarchal Pedro do Valle Maya, em segundo lugar a seu (?) tio Theodoro da Silva Maya a quem rogo queyram por caridade e amor de Deus dar a execussão o que aqui [p. 54] determino. Será meu corpo leuado no esquife ou tumba da minha Venerável Irmandade dos Clérigos pobres com o titulo de caridade e protecção da Santíssima Trindade cita no hospital Real de todos os Santos e acompanhado pella mesma Venerável Irmandade (á qual?) offereço dez moedas de ouro como já offereci na minha entrada, e será sepultado no mesmo convento de Sam Pedro de Alcantara das Religiosas Arrabidas cuja communidade toda no dia seguinte dirá missas pela minha alma de corpo presente...»
Mais adeante diz: — «Declaro que o fogo que se seguiu ao terramoto do primeiro de Novembro de mil sete centos sincoenta e sinco me queimou o edificio em que morava na travessa do Salema, freguezia do Santissimo Sacramento desta corte e me destruhio quanto nelle tinha em que entravam todas as minhas memorias conseguidas em largos annos com documentos, plantas e instrumentos da minha principal profissam e da minha fabrica, e noticias procedidas de diversos empregos do Real Serviço assim diurnas como nocturnas, e que ao depois fiz algumas nouas dissertaçoens, discursos e reparos e principalmente pertencentes ao lugar de Enginheiro mor do Reyno e ao de Guarda mor da Torre do Tombo conducentes ao Real serviço e bem publico, dos quaes alguns tem sido por mim propostos ainda que nem todos attendidos e que os primeiros se acharão na minha casa de visitas e os segundos na casa em que tenho os liuros, e pesso ao Reverendo Beneficiado Pedro do Valle Maya meu testamenteiro primeiro que com os dous destes Reverendissimos Padres Frey Antonio de Santa Anna e Frey Anastacio dos Santos os revejão e observem com attenção (pois que eu com a diminuição de potencias e sentidos e de mais de outenta e seis de idade me não acho em termos de o [p. 55] fazer), separando o que lhe parecerem util para se entregarem da minha parte aos meus dous successores que lhe darão a prouidencia que melhor lhes parecer...»
Na carta regia de 9 de dezembro de 1758 em que a Manuel da Maya se faz mercê de doze mil reis de tença annual, vem os seguintes dados biographicos:
«Faço saber aos que esta minha carta de Padrão virem que tendo respeito aos serviços de Manoel da Maya filho de Francisco da Maya natural desta cidade feitos pello espaço de vinte e hum annos quatro mezes e hum dia nos postos de Apontador das fortificaçoens, Ajudante de Ingeneiro, Capp.^{am}, Sargento Mayor, e no de coronel de Infantaria com o mesmo exercicio de Ingineiro desde vinte e sete de Mayo de seiscentos noventa e oito até vinte e sete de Mayo deste anno de mil setecentos e dezanove; no de mil setecentos e hum (1701) assistir ás obras da marinha e das batarias da banda de Alem, tomando as alturas e examinando os materiaes e fazer os riscos das plantas das ditas obras com muito acerto e ajudando em todas ellas ao Lente das fortificações, Francisco Pimentel, com o qual foy a Extremós para examinar o que faltava á fortificação da Praça; no de mil sete centos e quatro conduzir p.^a Abrantes hum Regimento de Olandezes, e despois voltar, tornar para a dita Villa á obra da fortificação fazendo a medição á planta do armazem e a informação doque convinha para a de Tancos na Campanha do ditto anno; acompanhar ao Conde Apozentador mor que foy aquartelar a munto alto e munto poderoso Rey Dom Pedro segundo de boa memoria, meu Rey e Senhor que Deus foy servido levar para sy, servindo de quartel Mestre da Corte; no de mil sette centos e sinco, ser mandado para Elvas, e sahindo no exercito [p. 56] assistir á obra de huns reductos que se fizerão a (?) da da Godianha para guarda da ponte das barcas, hindo muitas vezes vizitar os ataques e batarias por ordem do mesmo senhor; traduzir dous livros Francezes que tratão da fortificação, que forão recebidos com geral acceitação pello estillo e fé da tradução e pello seu bom prestimo e intelligencia ter sido muntas vezes occupado em varias diligencias do Real serv.^o e por ordem expecial fazer a planta de ambas as cidades de Lisboa, occidental e oriental, com toda a individuação de Praças, Palacios, Templos, Mosteiros, Freguezias, Irmidas, ruas e travessas com os nomes de todas estas couzas em tão boa forma e tão ajuizado ao Terreno que accreditou o seu estudo e trabalho de sinco annos...»
Por este documento se vê que Manuel da Maya entrou nos serviços da engenharia em 8 de setembro de 1737, como apontador; nelle vemos tambem as diversas datas das suas variadas occupações como engenheiro, tanto em tempo de paz como na guerra.
Os seus vencimentos em 1764 constam do seguinte decreto:
«A Junta da Caza e Estado de Bragança manda fazer novo assentamento a Manuel da Maya M.^e de Campo General de meus exercitos e guardamor da Torre do Tombo de hum conto duzentos oitenta e oito mil reis, que deve haver em cada h[~u] anno pelo Thesoureiro da mesma Caza, que são de sinco parcellas, que levava na folha d'ella, a saber quatrocentos e oito mil reis, que antecedentem.^{te} lhe erão concedidos de ordinaria sem abatimento de quatro e meyo por cento; duzentos mil reis de tença com o encargo de pagar quatro e meyo por cento; sento e sessenta mil reis de ordenado como chronista; cento e vinte mil reis para aluguer de casa, por aviso de 18 de  [p. 57] Dezembro de 1754, e quatrocentos mil reis mais de ordinaria, que lhe mandei continuar por Alvará do d.^o dia 18 de Dezembro de 1754. Belem 30 de Julho de 1756. Rubrica del Rey N. S.—Reg.^{da} a fl. 56.»
Manoel da Maya foi nomeado mestre de campo general por carta patente de 24 de janeiro de 1758, e sargento mor de batalha pela carta patente de 12 de janeiro de 1760. Entre os trabalhos que ao distincto engenheiro foram confiados, estão os do hospital das Caldas da Rainha.
D'isso dá noticia esta carta que se conserva na propria lettra de Manuel da Maya. Senhor No anno de 1706 se entregarão no Tribunal da Meza da Consciencia que tem o governo do Hospital das Caldas da Raynha, quarenta mil cruzados em fazendas p.^a do seu producto se formar a convalecenca p.^a os doentes pobres, que se vão curar ao d.^o hospital, e com effeito chegou a haver dous mil cruzados de renda por anno produzidos da redução que se fez das taes fazendas; mas no anno de 1750 ultimo em que a Mag.^{de} Fidelissima S.^{or} Rey D. João Quinto quiz continuar aquelle remedio, senão achava fabricada a convalecença, o que o Mesmo Senhor determinou se executasse; e com esta firmeza principiei a mandar conduzir alguns materiaes p.^a a tal obra; e por q o dito Tribunal mandou ao seu Architecto fizesse planta p.^a a tal convalecença, e este a fizesse, e se formasse consulta pella Mesa da Conciencia, desta consulta se me deo vista p.^a eu responder o que me parecesse; e por[~q] achei [~q] se devia regeitar huma janela que se queria abrir em huma casa pertencente ao commodo das Religiosas, e o haver que nas janelas de tal convalecença se intentara fazer de mais despesa e feitio [~q] o da Frontaria do Hospital, o declarei assim na minha resposta declarando os inconvenientes que havia nas ditas duas couzas: e [p. 58] entendo [~q] esta consulta se acha detida na Secretaria do Estado, de que foi secretario Diogo Mendonça Corte Real, que hoje habita em Mazagão, na qual secretaria se pode procurar esta consulta p.^a se lhe dar a providencia necessaria, assim p.^a bem dos pobres convalecentes, como p.^a o d.^o Tribunal dar cumprimento a obra de que se encarregou. V. Mag.^{de} mandará o que for servido. Lisboa 2 de 9.^{bro} de 1761.
Manoel da Maya.
Autographo.
Importantes foram os serviços prestados por Manuel da Maya á Torre do Tombo como guarda−mor, não só no que respeita á ordenação e catalogação dos documentos, mas por occasião do terremoto de 1755 em que, em vez de acudir á sua casa, que deixou arder, procurou no que poude salvar os thesouros do Archivo.
Falleceu em 17 de setembro de 1768, e foi, conforme a sua vontade, sepultado na casa de capitulo do convento de S. Pedro de Alcantara. Passava dos noventa e um annos; e toda a vida manteve severamente um voto de castidade que fizera aos doze.
A sua exagerada devoção levou−o a ser denunciante do Santo Officio, o que nesse tempo era tido como virtude. Denunciou em 8 de julho de 1755 um allemão das relações do P.^e Cardone por transmudar o azongue em prata, reputando−o um illuminado, e denunciou um cunhado de Mangin, abridor de cunhos da Casa da Moeda, como mação [T. do Tombo. Cad. 114 dos promotores da Inquisição de Lx.^a fl. 210.—Communicação do Sr. Pedro de Azevedo].
Que ominosos tempos aquelles em que até os espiritos mais lucidos enfermavam d'estas aberrações moraes!


RUI M. MENDES
16 de Junho de 2011

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